Fala, pessoal lindo do Planet Satsus! Novamente é a Lady Trotsky, com o quinto capítulo de Corações Indomáveis postado e esperando para ser lido e apreciado.
E já vou avisando que os próximos dois capítulos (Venus in furs e Cinquenta tons de sedução) terão cenas fortes, ou seja, bastante inadequadas para menores. Portanto os mesmos serão postados em Google Docs.
Dia seguinte à prisão de Jacques Peridot...
A muito custo ele havia sido contido e só havia se acalmado quando o amigo lhe dissera para fazê-lo. Minutos antes tivera um ataque histérico, quando acordou após horas dormindo, sob efeito de sedativos, e viu-se em uma cela de prisão. A reação do francês às palavras do outro causou espanto em todos. Henri Villechaize parecia exercer sobre ele um inacreditável poder.
- Ele só está abalado. Experimentou o gosto da liberdade por todo esse tempo e de repente viu-se novamente aprisionado. A sensação nunca é menos que devastadora – o homem calmamente disse.
- Devastadora mesmo foi a destruição que ele causou na vida da oficial Boniface. O senhor deveria ter vergonha de suas palavras – disse Ilsa Weinmann enfastiada.
- Não a tenho porque estou sendo sincero. Eu compreendo como se sente, mas entenda, eu ajudei Janine até onde pude. Só não fiz mais porque conheço Jacques melhor que ninguém. Mesmo que ele não me causasse mal, o faria às pessoas próximas dela e eu não poderia suportar o remorso de causar uma possível tragédia de modo involuntário – suspirou ele tristemente.
- Você é um bom homem, senhor Villechaize, uma pena apreciar as companhias erradas – Ilsa olhou-o inquisitiva.
- Não é questão de companhias certas ou erradas, senhorita Weinmann. Cada um tem seus motivos para agir de determinadas formas. Eu tenho os meus e ele teve os dele. Se conhecesse nossa história, você entenderia embora eu saiba que a ouviria dizendo que nada disso justifica atitudes tão monstruosas – respondeu ele olhando-a como se realmente enxergasse debaixo de seus inseparáveis óculos escuros.
Ilsa nada disse em resposta, pois ela mesma tinha atitudes às vezes consideradas moralmente questionáveis.
Entretanto, era profundamente movida pelo horror vivido em um campo de concentração nazista quando era pouco mais que uma criança. Ela, os pais e os três irmãos tinham sido presos em 1941 e lá ela tinha vivido até o fim da Segunda Guerra Mundial. Apenas ela e os irmãos caçulas tinham sobrevivido. Os pais e a irmã mais velha tinham sido executados em uma câmara de gás no começo de 1945. Desde então se dedicara aos estudos e treinos para um dia ingressar na Defesa Alemã Ocidental. Lá conseguira os recursos para caçar os malditos responsáveis pelas mortes de seus familiares e outras milhares de pessoas. Não raras vezes tinha torturado nazistas fugitivos em busca de outros que estivessem formando grupos criminosos. Fazia-os sofrer do mesmo jeito que ela havia sofrido. Queria vê-los acabados e quebrados como ela havia ficado ao perder pessoas que amava. Eles eram desumanos, mereciam tal coisa!
Ordenou aos outros que levassem Jacques e Henri para a sala do capitão. Kiriyama queria interrogá-los pessoalmente. Kaoru percebeu a confusão nos olhos da oficial alemã ocidental: - Tudo bem, oficial Weinmann?
- Me sinto bem, capitão. Apenas aconselho-o a ter cuidado com esse Peridot. Esse homem não é confiável – disse ela para uma imediata resposta dele: - Tenha cuidado com suas palavras, senhorita. Você pode ser traída por elas.
- Jacques, se você nos quer fora disso com o mínimo de danos, aconselho-o a não despertar a ira dos membros do esquadrão. Eles parecem um grupo muito unido – disse Henri como que falando com uma criança fazendo birra.
Jacques olhou para o amigo: - Será mesmo que eles são? Não há como sabermos.
- Acredite em mim, mon ami – respondeu o outro mansamente.
- Ao que parece, o senhor Villechaize é a única pessoa que consegue conversar civilizadamente com o senhor, já que hoje, quando você acordou, causou grande confusão – o capitão olhou-o como se fosse ler a alma dele.
- Perdão se eu causei qualquer coisa, mas, as coisas não saíram como eu planejei. Não me lembro de ter pedido que um dos seus oficiais me eletrocutasse com um taser – respondeu ele quase silabicamente.
- Considerando todas as acusações que pesam sobre o senhor, estou surpreso que tenha conseguido passar tanto tempo livre. Tenho que dar-lhe os parabéns – Kiriyama soou sarcástico no cumprimento.
- Tudo o que eu queria era vir até aqui procurar um tratamento melhor para a minha doença. Embora esteja relativamente bem, infelizmente meu caso exige algo mais, como um transplante, só que isso ainda não é muito bem aceito no meu país. Meu tipo de sangue é muito raro e para piorar, tenho fator RH positivo. Portanto, encontrar um provável doador pode ser muito difícil. Senhor, sei que não sou a melhor das pessoas e que cometi uma série de erros horríveis, porém, não me mande de volta para a França! Posso dar ao seu esquadrão todas as informações que quiser, eu juro! – ele começou a fala com calma, mas foi desesperando-se à medida que continuou.
- Mon ami, mantenha-se calmo. Você estava sendo justamente procurado por eles. Como ainda tenho as cópias dos documentos usados no processo, tudo ficará mais fácil – Henri sorriu.
- Mesmo os documentos sendo evidências, você ainda sim os copiou? – Ilsa olhou-o sem crer.
- Quando Jacques foi condenado à perpétua e o caso foi encerrado, decidi me aproveitar do fim de tudo para investigar por conta própria tudo o que aconteceu. Bem, o que descobri guardei de forma muito cuidadosa para evitar ser descoberto e quem sabe até morto. Pois os reais culpados planejaram tudo cuidadosamente e usaram tanto Jacques quanto Janine como bodes expiatórios – Villechaize disse para a reação quase imediata de Peridot, mas este parou quando o homem cego fez um gesto: - Você sabe que estou falando a verdade. Janine só deu aquele depoimento daquela forma porque estava com uma profunda raiva e achando que você era o real culpado.
- Ela não tinha o direito! Eu teria dado tudo o que ela quisesse! Eu a... – exclamava Jacques quando Kaoru, para o choque de Ilsa, socou a mesa: - Não minta, seu bastardo! Você é um homem abusivo e cruel que basicamente se aproveitou dela e a usou como bem entendeu! Você não tem direito algum de alegar que a amava!
- Capitão, tenha a bondade de não falar dessa maneira com meu amigo. Queremos colaborar, mas se você não ajudar, não haverá entendimento – Henri levantou levemente a cabeça parecendo encarar o líder do Ultra Keibi-tai. Ao mesmo tempo, Peridot o encarava com evidente fúria: - O senhor tem muita coragem.
- Tenho. Então acho melhor ambos terem muito cuidado com o que pretendem fazer. Proponho um acordo: vocês nos dão as informações que queremos e o senhor Peridot terá todo o tratamento de que precisar. E o senhor Villechaize estará livre de qualquer acusação – Kiriyama olhou de um para outro esperando uma resposta.
- É você quem deve decidir, Jacques. Pense com cuidado. Essa decisão pode mudar nosso futuro – Henri virou-se para ele com seus olhos cegos.
Peridot queria recusar o acordo dado odiar a prepotência do capitão, porém, chocou-se com o olhar clamante do amigo. Henri não precisava pagar o preço de suas idiotices. E o próprio Jacques estava ganhando uma segunda chance. Villechaize sempre tinha sido um amigo verdadeiro e leal, o único desde que se lembrava por gente. A única pessoa por quem ele era capaz de dobrar sua personalidade geniosa. No entanto, isso não queria dizer que simplesmente baixaria a cabeça. Vingar-se-ia de Janine de uma forma ou outra. Faria aquela maldita pagar por um júri tê-lo condenado à prisão perpétua. Por fazê-lo apanhar constantemente dos outros presos. Ser humilhado e ofendido todos os dias. Ser forçado com violência a limpar os banheiros e as celas sempre que os guardas cismavam com ele. Perder tudo pelo qual havia trabalhado desde muito jovem. Tentou conter-se, mas as lágrimas vieram com força...
- Aceito. Muito obrigado.
Henri pôs-se de pé e abraçou-o como se abraçava uma criança precisando de amor: - Não se preocupe, mon ami. Nunca mais haverá motivos para pranto.
- Um aviso: tente causar algum mal à mademoiselle Boniface ou prejudicá-la de alguma maneira e você terá muitas razões para ter medo de mim. Portanto, monsieur Villechaize, garanta que seu amigo não fará nenhuma gracinha – Kiriyama estreitou os olhos furiosamente. Ilsa chocou-se ao ver aquele olhar no capitão. Nunca o tinha visto daquela maneira. Ele sempre era tão calmo ainda que se exaltasse quando as coisas ficavam sérias. A alemã sentiu o coração palpitar de espanto.
Ela, porém, não tinha ideia de Kaoru Kiriyama ter fortes motivos para dar aquele aviso daquela forma.
Em 1966, ele aprendeu dolorosamente que jamais devia confiar totalmente em criminosos. Embora já soubesse disso de certa forma, tais ocorrências eram incomuns no esquadrão e a última antes da atual terminara tragicamente. Um de seus comandados, Kanpei, acabou morto pelo prisioneiro com uma facada que estraçalhou seu estômago. Ninguém tinha ideia de onde o homem conseguira a faca, mas depois souberam que, mesmo algemado, ele a havia pego às escondidas na cozinha durante a refeição. O capitão, vendo aquilo, não pensou duas vezes em descarregar sua arma contra o assassino na tentativa de salvar o rapaz. O pobre moço, todavia, faleceu antes de ser socorrido. Tal coisa marcou-o profundamente. Seria capaz de matar Jacques Peridot se ele ousasse tentar qualquer coisa contra Janine. Considerava os membros do esquadrão como sua família. Quem ousasse agir contra eles pagaria muito caro.
- No que depender de mim, capitão, Jacques não fará nada fora das regras. Posso não enxergar, mas sei como impedi-lo de agir errado – Henri por fim respondeu.
- É bom ouvir isso. Oficial Weinmann, quando terminarmos aqui, leve-os de volta à cela e retorne quanto antes. Chamarei a oficial Shaporova e falo com ambas sobre a missão que requer duas especialistas em terrorismo internacional – o capitão quase de imediato voltara ao estado costumeiro.
- Está bem. Gostaria que eu ficasse para alguma eventualidade? – Ilsa ofereceu-se para ajudar.
- Não é necessário, mas eu agradeço – disse ele cordial.
A alemã ocidental despediu-se educadamente. O depoimento começou logo em seguida, por parte de Villechaize, porém, Ilsa não tinha interesse nisso. Achou melhor avisar Irina do encontro delas com o capitão e aproveitaria para conversar sobre um assunto que há muito ela andava ignorando.
- Irina? – Ilsa encontrou-a lendo na sala de trabalho.
- Quantos dias que não te vejo. Aconteceu alguma coisa? – a soviética olhou-a.
- Eu andei fazendo muitas coisas. O capitão Kiriyama nos chamou à sala dele quando ele terminar de conversar com os prisioneiros franceses. No entanto, precisamos falar. Irina, há quanto tempo temos sido amigas? – a alemã ocidental olhou-a.
- Alguns anos desde que nos conhecemos – Shaporova logo soube qual era o assunto.
- Então posso me dar ao direito de tratar disso com você. Irina, quando você e o capitão vão assumir de vez o romance de vocês? Vocês percebem que é um disparate continuar nesse estado? O homem já nem vive direito com a mulher dele e possivelmente ela nem liga pra isso! – Weinmann dirigiu-lhe um olhar descrente.
- Você que pensa. Ontem mesmo eu a vi conversando com a equipe médica do Esquadrão sobre fertilidade, já que... Eu imagino que você saiba que ele não teve filhos com ela ainda, não é? – Irina não sabia como reagir aquela ação.
- Como se filho prendesse um homem a um casamento falido. Pelo amor de Deus, Shaporova! Jura que você acredita que isso resolve tudo? – Ilsa disse incrédula.
- Não sei se acredito porque afinal de contas nunca fui mãe e nem sei se pretendo conceber, porém, eu sei que esse é o desejo do Kaoru – suspirou ela.
- Certo, mas você já pensou que ele talvez não tenha mais esperança nisso? Quinze anos de casamento e até agora nada de filhos? Tem alguma coisa muito errada nisso – a loira cruzou os braços ao mesmo tempo em que uma mulher oriental que não usava o uniforme do esquadrão entrou no local. Irina repentinamente viu-se nervosa, pois ela era ninguém menos que a esposa de seu amante, Mitsuru Wano Kiriyama.
- Boa tarde, senhora. Está procurando alguém? – Ilsa tomou a dianteira por ter percebido o claro nervosismo da amiga.
- Meu marido, o capitão. Suponho que sabe quem eu sou – respondeu ela olhando desconfortavelmente a alemã.
- Ele no momento está ocupado interrogando dois prisioneiros franceses que foram detidos ontem. Imagino que leu o noticiário sobre a detenção de Jacques Peridot – respondeu Weinmann tranquilamente ao passo que Irina fingia ler o livro.
- Eu soube, mas não é como se eu os considerasse bem vindos aqui – disse ela com evidente mau humor. Ilsa logo notou que Mitsuru não gostava de franceses e alemães. Embora não gostasse do ar de superioridade dela, podia entendê-la, considerando seu próprio histórico de vítima do Holocausto. Se bem que os japoneses eram de fato um povo fantástico, a despeito dos defeitos.
- Não é como se a imigração e a fuga de prisioneiros não fosse uma realidade. Infelizmente há gente que pensa que o Japão é celeiro de foragidos, mas mais do que isso, existem pessoas que saem de suas terras por falta oportunidade na sua própria. Se a senhora observar bem, os Estados Unidos está no topo de países para onde os imigrantes vão à busca de uma vida melhor – Irina enfim largou o livro.
- Não discordo de você, senhorita, porém, há algumas diferenças entre nós que vão demorar muito a serem superadas, isso se um dia forem – Mitsuru afastou-se quase um metro. Weinmann e Shaporova logo perceberam que ela se referia à aliança entre Hitler e os países do Eixo, entre os quais se incluía o Japão. Tal coisa havia causado a infame bomba atômica de agosto de 1945 e deixara o país e seu povo devastados por anos. Decerto Mitsuru tinha pais que odiavam os estrangeiros que na terra deles pisavam “sem ter direito algum” e “roubando aquilo que era do povo japonês”.
- Se isso te serve de consolo, eu também odeio Hitler. Sou judia, ainda que não pratique. Eu caço os seguidores restantes dele desde ter entrado na Defesa Alemã Ocidental. Fui prisioneira de um campo de concentração durante quatro anos. Perdi meus pais e minha irmã mais velha em uma câmara de gás – disse Ilsa triste.
- Me perdoe se eu fui rude. Eu não tinha como saber – a senhora Kiriyama aproximou-se novamente, com receio.
- Eu entendo sua postura, Mitsuru-san – disse Irina olhando-a com expressão incerta para depois dizer com firmeza:
- No entanto, já se foram 25 anos desde o fim da guerra. Hoje, os japoneses e tantos outros povos estão unidos pela causa de defender a Terra de ameaças internas e externas. Eu entendo como muitos de vocês se sentem, mas, se todos tivermos a capacidade de superar essas diferenças e trabalharmos juntos em prol do planeta, conseguiremos construir um mundo melhor para as próximas gerações.
- E criar pessoas melhores, não esqueça – Mitsuru fortemente conteve a emoção ao escutar “próximas gerações”. Era muito difícil não pensar em crianças quando, em quinze anos de casada, ainda não concebera. Essa tinha sido a razão para vir à sede do Esquadrão Ultra. Falara com a equipe médica em busca de uma solução para sua provável infertilidade. E agora ia conversar com o marido para que ambos fizessem exames mais aprofundados com a intenção de descobrir os reais motivos da falta de filhos. Quando dormia com o marido, agora um fim de semana a cada mês, quando ele ia para casa, era o único momento em que ainda pareciam um casal.
Todavia, alguma coisa não estava completamente certa. Algo em seu instinto lhe dizia que Kaoru não estava no seu normal há pelo menos algum tempo. O marido tinha deixado de dormir com ela por considerável período em razão de uma briga motivada pela falta de herdeiros. Repentinamente voltara, com uma vontade nunca exibida antes. Inicialmente achou maravilhoso, pois tinha a esperança que eles enfim fossem realmente se entender. As coisas, porém, não eram nada normais quando se tratava de conversa. Embora conversassem, o assunto não durava muito porque Kaoru trancava-se na biblioteca a ler. Definitivamente isso era sinal de algo que ela não conseguia perceber. Infidelidade, talvez?
Não queria pensar em tal possibilidade, mas isso realmente era algo a ser considerado. Ainda mais porque a parte feminina do esquadrão era povoada por mulheres nada menos que muito bonitas. Se fosse o caso, qual delas poderia ser? Ela não imaginava que a resposta estava na sua frente.
Um trio de oficiais homens bebia chá no lado oposto da sala, apenas observando a conversa.
- Aposta para quando a dona Mitsuru vai descobrir o romance do capitão? – perguntou Gibraltar Ibañez rindo baixinho.
- Nem em uma situação dessas você consegue manter o facho desligado? Meu Deus! – Horacio Parravacini bufou de desgosto.
- O Horacio tem razão, Gibraltar. A pobre mulher não merece isso. Por mais respeito que eu tenha pelo capitão Kiriyama, ele está completamente errado. Só que... dizer isso diante dele seria falta de respeito – Gideon Neville chegava a roer as unhas de nervoso.
- Vão me desculpar, mas o fato é que o pobre Kiriyama há anos está em um casamento falido e infrutífero. Se bem que eu não acho filhos a coisa mais essencial. Além de ser um custo financeiro duas vezes o tamanho da terra, têm-se o risco de você acabar trancado em um asilo quando for idoso porque o dito filho não vai ter como te cuidar. Isso se o seu descendente não se tornar um filho da puta da pior espécie, como foi o caso do Francisco Franco – o espanhol bebericou mais de seu chá.
- Olha, Gibraltar, não quero ser idiota, mas isso não acontece apenas ou simplesmente porque os filhos não querem cuidar os pais. Até porque pais criam os filhos para o mundo ou pelo menos em teoria – disse Horacio de repente ficando incerto.
- Você realmente acredita que muitos pais não têm segundas intenções? Pelo amor de Deus, cresce, Horacio! – Gibraltar olhou-o incrédulo com tanta ingenuidade.
- Se me permitem, considero assim: os pais criam os filhos para o mundo, mas, muitos desses pais têm o azar de adoecerem seriamente quando ficam mais velhos. Ou precisam ir para uma casa geriátrica porque não têm as devidas condições de se manterem sozinhos por melhor saúde que tenham. Muitos filhos só apelam para isso porque trabalham com o intuito de se manterem financeiramente, já que ninguém vive de vento ou da caridade alheia. E cuidar alguém mais velho exige um preparo que a pessoa muitas vezes não tem porque ninguém pode prever o futuro. Pelo menos na Inglaterra é muito comum alguns idosos tomarem a iniciativa de irem para um asilo porque não querem atrapalhar os filhos. Claro que existem casos da mais pura negligência e más intenções tanto de pais quanto de filhos, mas aí é da consciência de quem faz. Se se arrepender depois, é problema do culpado – o oficial Neville disse certeiro.
- Bem, é uma argumentação muito interessante – Gibraltar sorriu aproximando a mão do braço dele. Gideon nunca iria se acostumar com a inacreditável capacidade daquele espanhol de paquerar todo mundo, mesmo que apenas com os olhos.
- Ibañez! – exclamou Horacio apontando as mulheres presentes na sala. Gideon percebeu um incômodo silêncio entre elas.
Foi quando Dan Moroboshi deu o ar da graça de forma inesperada. O rosto de Ilsa iluminou-se com um gigante e branco sorriso. Irina sorriu nervosamente. Mitsuru reconheceu-o após tanto ouvir falar dele: - Senhor Moroboshi?
- Senhora Kiriyama. Como está? – Dan disse educadamente.
- Muito bem. Grata por perguntar, porém, preciso ir esperar o Kaoru. A conversa é urgente. Irei à sala dele – disse ela saindo sem dizer mais nada.
- Acho que nossa reunião com o Kiriyama terá que esperar, Irina. E quanto a você, Dan? O que estará fazendo no próximo final de semana? – Weinmann sorriu em expectativa.
- Eu e Anne pretendemos tirar um tempo para nós dois. Quase não tivemos dois dias apenas para nós mesmos. A senhorita sabe como é – respondeu ele enquanto Irina avisava ao capitão pelo rádio sobre a visita da esposa. E Ilsa sentia um balde de água gelada caindo em sua cabeça com estrépito.
- Entendo – Ilsa disse entredentes.
- Senhorita Shaporova, importa-se se nós conversarmos? A sós? – Dan questionou-a.
Ilsa não notou qualquer conotação maliciosa naquele diálogo. Era capaz de dizer sinceramente que Moroboshi parecia excessivamente sério. A alemã logo teve certeza de que o assunto era o romance de Irina com Kiriyama. Afinal, não era desconhecido o picante envolvimento deles. Tanto era assim que os dois andavam se encontrando fora da sede do Esquadrão. Pois os comentários tinham aumentado consideravelmente nos últimos meses.
- Não me incomodo – disse ela levantando-se.
Ilsa apenas observou enquanto Irina saía com Dan da sala. Surpreendeu-se ao ver três oficiais homens tomando chá. Não os tinha percebido na sala até então. O trio estava suspeitamente silencioso. A oficial logo notou que eles tinham ouvido tudo, porém, resolveu-se a não discutir. Piorar o que já estava suficientemente ruim não era a melhor ideia.
No mesmo momento, Kiriyama havia encontrado a esposa em sua sala: - Mitsuru?
- Kaoru, nós temos que conversar. Muito sério – suspirou ela.
- Uma das oficiais me avisou que você viria. Se bem que eu ouvi nos corredores sobre você estar com a equipe médica – o capitão sentou-se já sabendo o assunto.
- Estou pensando em fazer exames mais profundos para descobrir a causa de não termos tido filhos ainda. O papai há anos nos cobra um herdeiro. E você também tem de fazer esses exames, pois pode ser que o problema seja você – Mitsuru o olhou.
- Nós poderíamos adotar caso não consigamos gerar um filho naturalmente. Você sabe que nunca vi problema em adotarmos – respondeu ele sério.
- Infelizmente, porém, a sua rotina nos traria negação por parte do serviço de adoção. Caso você não esteja lembrado, você ultimamente tem passado quase todo o tempo morando aqui! – exclamou ela se exaltando.
- Mitsuru, você sabia que nossa rotina iria se alterar de modo considerável quando eu fosse promovido a capitão. Por favor, você devia se lembrar de que tenho deveres com os quais não posso faltar! – Kaoru odiava discutir com ela, mas às vezes ela parecia uma criança birrenta e mimada embora tivesse bom caráter.
- Tantos a ponto de você só ir para casa uma vez a cada mês? – ela olhou-o incrédula.
- Infelizmente as coisas pioraram depois de setembro de 1968. Várias cidades tiveram que passar por incontáveis reformas porque sofreram ataques que, se mais intensos, poderiam tê-las varrido do mapa. Além do mais, conversei com vários comandantes das forças de defesa do planeta, que enviaram recursos e gente. Eu tinha de ficar para recebê-los e mostrar como funcionava a rotina daqui. E claro, eu não podia esquecer que nós precisávamos encontrar remanescentes e impedir novas invasões. E claro, combater grupos criminosos da Terra que se acham acima da lei. Eu sinto muito, mas não posso evitar – suspirou ele com cansaço.
- Eu sei. O seu senso de dever é muito maior do que eu gostaria de aceitar. Às vezes me pergunto se nosso casamento algum dia vai voltar ao normal – ela estava a ponto de chorar.
- Ele vai, esteja certa. Eu quero que tenhamos um filho e que nós possamos criá-lo com todo o amor que ele merece – Kaoru sentiu uma tonelada de culpa pousar em sua mente. Ele queria descendência, mas não com a esposa embora ela fosse uma ótima pessoa. Era com Irina que ele sonhava em construir uma família com filhos.
- Kaoru, te peço: faça esses exames. Por mim. Prometo, com todo o meu coração, que caso nossa incapacidade de gerar filhos seja irreversível, nós adotaremos. Só que você e eu teremos de mudar nossa rotina – disse ela agora sorrindo um pouco.
- Farei isso, Mitsuru. Tem minha palavra – disse ele também sorrindo. Por dentro, porém, Kiriyama sentia tudo bagunçado.
Por mais que considerasse muito à Mitsuru, a verdade é que ele nunca a amara verdadeiramente. E possivelmente nem ela o amava. Por mais que tivessem tido um casamento bastante normal por pelo menos dez anos, a realidade é que jamais havia tido um arroubo de paixão entre o casal. Aquele “quê” que tornava a vida menos entediante nunca ocorrera. A união deles era um ode ao convencional das relações. Ela só estava presa a esse matrimônio em razão da família. Especialmente o pai, doente do coração desde sempre. Os dois só eram casados por um acordo familiar feito quando ambos eram crianças. Ela tinha oito anos e ele onze quando os pais deles selaram tudo.
- Você está ouvindo, Irina? – Dan havia parado diante do escritório para ouvir a conversa.
- Sim – ela respondeu afastando-se alguns passos da porta. Escondia lágrimas, porém, limpou-as e voltou-se:
- Eu o amo tanto, Dan. Sofro com a possibilidade de um dia perdê-lo e ao mesmo tempo pela culpa de estar acabando com um casamento. Você pode entender, não é?
- Posso – Dan respondeu aproximando-se e convidando-a a até o campo de treinamento.
Já distante de qualquer lugar onde pudessem ser ouvidos, Moroboshi continuou: - No entanto, há limites que mesmo eu não posso ultrapassar. Esse hábito de infidelidade que vocês possuem não é correto no meu ponto de vista.
- Entendo o que você quer dizer, mas, você considera certo que duas pessoas fiquem juntas quando sequer se amam de verdade? – perguntou Irina aflita.
- Você tem certeza de que eles realmente nunca se amaram? – Seven olhou-a tendo a certeza de que ela estava enganada.
- Infelizmente, meu amigo, nem todos os seres humanos se casam por amor. Na maior parte do mundo, os casamentos muitas vezes são arranjados pelos pais pelos motivos mais variados. O deles foi acordado quando ambos eram crianças. Crianças, Dan! Uma decisão dessas pode causar estragos irreversíveis na criação de uma pessoa! Pense em como é horrível ter sua capacidade de escolhas tolhida por uma coisa dessas. Ser reservada para uma união que você nem sabe se dará certo! – Shaporova falava com conhecimento de causa.
- Aconteceu algo assim com você? – o alien olhou-a incerto.
- Infelizmente. Casei aos dezoito anos com um colega meu, por um acordo dos meus pais com um general do exército soviético, pai dele. Ainda bem que nossas famílias concordaram que eu deveria me tornar membro da Defesa Soviética. Quem disse, todavia, que foi fácil? Depois que me formei, minha vida ficou extremamente complicada porque meu marido vivia me cobrando que tivéssemos filhos quando eu não queria. Quando você faz uma coisa que você realmente gosta, seu desejo é ir mais e mais longe nisso. As coisas para nós mulheres, porém, nunca são fáceis. Te cobram coisas absurdas na maior parte do tempo. Isso quando não falam mal de você pelo simples fato de que você não segue as regras que eles impõem – Shaporova dizia com tristeza.
- Os homens terráqueos sofrem de uma maneira bem parecida embora eu saiba que, comparando as situações, os homens são incrivelmente mais livres para escolher e agir – Dan lembrava-se das lições de seu senpai desaparecido.
- É uma verdade muito triste que nós estamos tentando mudar. Isso, porém, não vai ficar mais fácil. Não importa em que época estejamos, sempre haverá gente querendo nos calar – Irina, embora tivesse vivido no meio do regime comunista, não gostava do modo como ele era conduzido.
- Meu senpai disse uma vez que uma parcela da humanidade tem esse hábito de querer se sobrepor sobre os outros. Eu não entendo o motivo. Não deveriam unir-se para cuidar do planeta e uns dos outros? – Moroboshi afligiu-se.
- A humanidade tem muitos defeitos. Um deles, pelo menos na minha opinião, é o pai de todos: o egoísmo. Esse é o que gera a maior parte dos outros. Que causa toda a sorte de desgraças. As duas grandes guerras estão aí para provar o meu ponto – respondeu a soviética sentindo um amargo gosto nos lábios.
- Vários países não se aliaram para combater o regime de Adolf Hitler? – perguntou Dan incerto.
- Você realmente sabe a fundo que países foram os Aliados? – Irina quase riu, embora a amargura fosse evidente.
- Eu cheguei aqui em 1967, então não sei tanto quanto poderia – o alien queria arrepender-se da pergunta.
- Eles eram liderados pelos Estados Unidos, Rússia e Inglaterra. Tirando o último, o primeiro possuía leis segregacionistas em relação aos negros, isso se ainda não tiver. O segundo, por vez, teve um regime que matou tanta gente ou até mais, do que o Hitler. Você realmente acha que eles são confiáveis? Posso garantir que não são, nem brincando – respondeu a oficial com ar desiludido. Irina Shaporova parecia pronta para chorar.
- Isso se você não contar as bombas atômicas jogadas pelo governo americano – Shigeru Furuhashi surgiu inesperadamente no campo de treinamento. Vinha do outro extremo após um treinamento com pesos, pois era o mais forte da equipe mesmo que parecesse “fora de forma”.
- Já se foram 25 anos desde então. Embora eu saiba que isso jamais será esquecido porque vai doer a vida toda – disse Alexander Vidal, que fazia um treinamento parecido.
- Ainda bem que você é consciente disso porque foi e sempre será uma grande vergonha isso. Apesar de que sou totalmente contra te olharem feio por você ser americano – disse Furuhashi algo triste.
- Sou sulista, do estado do Texas, o que é pior ainda, já que... Você sabe – Alex disse enfastiado.
- Sou da opinião de que deveríamos superar nossas diferenças em prol da preservação do planeta e nas vidas que o habitam. Essa é a função do Esquadrão Ultra. Não importa a nossa nacionalidade ou o que nossos conterrâneos pensem. Aqui nós somos todos iguais – Dan emocionou-se ao falar.
- Se todos pensassem igual a você, nós teríamos um planeta muito melhor habitado – Shigeru sorriu tristemente.
Irina e Alexander concordaram também a sorrir de forma triste.
Pois a maior ameaça de todas não era simplesmente um ataque alienígena ou coisa parecida. Eram os próprios humanos. E era impossível saber em quem realmente confiar. Pois as aparências enganavam.
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